Rodrigo Andrade

Alberto Tassinari

 

Um sofá, uma cadeira, um armário. Onde estão? Parecem as mobílias de uma mudança. Uma árvore ao fundo, à esquerda, parece indicar que estão na rua, ao ar livre, num pátio, ou coisa parecida. Mas onde estão os donos? Onde estão os carregadores? Ficarão para sempre ali, abandonadas? Sim. Ali o pintor as dispôs. Ali estão. Então é do próprio abandono que falam.

Circunspectas, solitárias, comunicam-se por vizinhança. Mas pouco. Juntá-las reforça o ensimesmado de cada uma. A questão é antiga. Pense-se no quarto de Van Gogh. Mas não é preciso recuar tão longe. As gravuras de Goeldi, certas fases de Iberê, não comunicam também desamparos semelhantes? São emblemas, sem dúvida. Nos posicionamos no lugar dos objetos. Sós. Uns ao lado dos outros, e, entretanto, sós. Um espaço, é verdade, os envolve. Mas este, então, onde fica?

Os objetos pulam para fora da tela. O convite pra ir até eles está mais do que feito. Mas a tela, hoje, recusa introspecções. A manobra do pintor se revira, então, numa espécie de perspectiva às avessas. O ataque direito à tela projeta os objetos, e de certo modo o espaço, para fora, não para dentro. Um lugar então aparece. Não é bem lá, nem aqui. Desculpem-me o termo gasto, é um lugar utópico. Tanta luz, tanto isolamento. Entre um e outro vivemos. Como também vive o quadro desse comércio meio estancado entre a fisionomia das grandes massas de cor e a fisionomia das coisas. Ou ainda, como também vive em espaços, ainda que vagos, quase sólidos e objetos que, além de coisas, são lugares do vazio. Longa história, se a história é a da arte, para aí se chegar: Manet, Van Gogh, Picasso, De Chirico, Goeldi, Guston, Iberê. A lista é maior, mas não importa tanto. Rodrigo os junta por subtração. E uma segunda longa história. Longa, se é a de um pintor por volta dos trinta. Dez anos de pintura, e o retorno a si mesmo. É que penso que há aqui o mesmo clima, mas na época meio gráfico, dos seus quadros do ateliê Casa 7. Mas aqui há mais.

Um neo-expressionismo agora refletido e indiferente à última moda. A pintura americana, digamos, vista por Goeldi. Em desvio, meio extemporânea. E, no fim das contas, o quanto isso importa? Importa a coragem do artista, sem dúvida, em desligar-se das modas. Eu, por minha conta, espectador, fico mais é a me indagar sobre o jogo das intensas forças de atração e distanciamento que entre mim e o quadro, e também entre suas partes, se estabelece. Essa cadeira de tinta, na qual me sento e já não mais estou. Estes bancos enfileirados, que me impedem de decidir em qual deles me deter. Essas garrafas, ou esses livros, que me somem da mão quando enfim os apalpo. Emblemas, repita-se: sólidas solidões e o vazio do espaço em comum. E suas reversões: solidões que se esvaziam na possibilidade do estar lado a lado.

 
Texto originalmente publicado no catálogo da exposição, Rodrigo Andrade: pinturas, Rio de Janeiro: Galeria Anna Maria Niemeyer, 1994.