Quatro acordes

Rafael Campos

 

Como no punk-rock, a apreciação de um quadro de Rodrigo Andrade dispensa o reconhecimento das filigramas do talento, a sutileza e a profundidade dos tons, a maestria da composição como um todo. A apreciação de uma obra de Andrade, se é que tal apreciação existe, deve ser a da presença do corpo em frente à coisa. E não estamos falando de fenomenologia. Como o punk-rock, ou o rock em geral, a pintura de Rodrigo é cabal, direta, mal-educada e cheia de saúde. Impossível se perder em suas cores. Se quadro acordes diferentes fazem um clássico do pop, quatro cores, colocadas tosca mas firmemente, afirmativamente, lado a lado, fazem uma pintura de Andrade.

Lógico que existem as malandragens do artista, a ginga que diferencia o jogador habilidoso do cabeça-de-bagre. Por exemplo; as bordas arredondadas de alguma das aplicações de tinta, que obrigam o olhar a escorregar pela mancha, buscando porto em outras estâncias. Por sua vez os cantos duros das outras formas não deixam o olhar entrar. Fazendo, de qualquer modo, uma pintura, que se esgota ao primeiro olhar, quase um tour-de-force de desprendimento. A malandragem referida, como todas, nasce de uma limitação, por sinal, premeditada. Andrade aplica a sua tinta sobre a tela espatularmente, sem nenhuma transparência, e em formas pré-determinadas por um desenho feito com fita crepe aplicando-a na tela sem nenhum procedimento que deixe simétrica a pintura como um todo. Essa falta de simetria traz um movimento latente, em potência.

Além disso, essas limitações no método do artista trazem uma decisão às formas como somente as iniciativas sem retorno fornecem (Rodrigo Naves sobre Amilcar), mesmo que essas decisões pareçam tão pouco drásticas (de fato, nos melhores trabalhos, Andrade somente coloca as aplicações de tinta lado a lado). Essa escolha pela arrumação banal, mais do que um comentário ao minimalismo, é um comentário à pintura em toda a sua história. Nada pior, afinal, numa pintura, do que o artista que troca o vigor da experiência real por futilidades como surpresas gestálticas ou temáticas.

O desprendimento de Andrade revela-se então como método na busca de uma pintura realmente ambiciosa. Ao mesmo tempo estudada e livre, rigorosa e indefinível. Não sabemos até que ponto o método de Andrade pode ou não ser o melhor método de se fazer pintura, ou pelo menos o melhor método para se fazer a melhor pintura, mas é realmente animador quando um artista consegue demonstrar em sua obra tão bem o seu próprio temperamento artístico.

 

Texto originalmente publicado no catálogo da exposição, Rodrigo Andrade. São Paulo: Marília Razuk Galeria de Arte, 2002.