Pinturas lacônicas

Adriano Pedrosa

 

As pinturas recentes de Rodrigo Andrade são enganosamente simples. Formas monocromáticas retangulares ou circulares foram pintadas sobre um fundo branco mediante composição francas e diretas. A princípio, poder-se-ia dizer que tais pinturas filiam-se a uma tradição geométrica que vem encontrando solo fértil em São Paulo desde o meio do século passado – a da abstração geométrica. Mas, não. Um olhar mais atento e informado logo desconfiará do que à primeira vista se encontra – há algo de incômodo em toda essa aparente simplicidade.

Talvez sejam as composições, que se estiverem em busca de alguma espécie de equilíbrio, não o fazem com muito sucesso, mas tampouco grande fracasso. Algumas formas encontram-se demasiadamente próximas de suas formas companheiras, ou mesmo da borda da própria tela; parecem deslocadas, pouco confortáveis na posição onde pensam ter encontrado seu destino final. Ou talvez sejam as cores, e olho atento e informado provavelmente terá dificuldade em encontrar ricas e complexas relações cromáticas entre as cores das figuras e de seu fundo. A pincelada, por sua vez, foi praticamente anulada. Não que as formas geométricas sejam construídas de maneira plana e achatada, escamoteando por completo a mão do artista, como é o caso da pintura de tantos mestres da abstração geométrica. Nas telas de Andrade, os vestígios gestuais são conferidos, um tanto ironicamente, não tanto pela mão do autor, mas por toscos rodos de silkscreen ou espátulas machucadas utilizados pelo artista na aplicação, em uma só tacada, de tinta às telas. Outro aspecto irônico poderia ser identificado na variação das espessuras das tintas que preenchem e dão forma aos retângulos e aos círculos: alguns muito ralos, outros despropositadamente gordos. O contraste entre peles de tinta tão finas e tão grossas pode ser lido como um aceno desconfiado a pesquisas matéricas no campo pictórico.

Em seu aspecto processual, as pinturas reafirmam seu caráter de serem construídas “de uma só tacada”. Evidentemente, não há grandes e laboriosos embates pictóricos na superfície da tela. Trata-se, quase, de projetos executados, ainda que haja imprevistos processuais: uma cor pode ter sido planejada porém, mais tarde, se ver coberta por outra (sem, no entanto, deixar vestígios). Outro detalhe com especial significado no âmbito dos imprevistos processuais, este sim deixando transparecer sua marca, é o vazamento da tinta que se dá para além da forma geométrica, sob a fita que o artista empregou para definir o campo onde aplicaria a cor. Aqui, a incorporação de acidentes processuais à obra surge como mais uma ruptura com as boas normas da abstração geométrica.

Por outro lado, condições e contextos formais tão desconfortáveis e desconfiados, inquietos e irônicos, cultivam também alusões gráficas – signos e sinais gráficos encontrados nas ruas da cidade, nas páginas das revistas, em sítios de internet, porém, aqui, esvaziados de conteúdo, narrativas e mensagens. É como se o ruído branco tivesse contaminados silenciosamente as pinturas enganosas geométricas de Andrade, constituindo cifradas paisagens urbanas. Sem filiações assumidas, são pinturas bastardas; sem harmonia ou equilíbrio formal, são pinturas erradas; sem grandes narrativas, são pinturas lacônicas.

 
Texto originalmente publicado no catálogo da exposição, Rodrigo Andrade. São Paulo, Marília Razuk Galeria de Arte, 2005.